Adaptação de MFátima Lima
Era uma vez, num reino muito distante, um grupo de gansos que fazia a segurança do castelo do rei. Eram gansos muito valentes e ninguém os enganava, se algum intruso ousasse se aproximar, logo seria denunciado e atacado. Era só um ganso dar o alarme e todos os demais partiam para o ataque, mesmo se não conseguissem deter o invasor, o barulho que faziam era tão alto que todos os guardas humanos resolviam a situação.
E foi isso que aconteceu numa noite escura em que um exército inimigo tentou tomar o castelo. Os gansos são incríveis por sua visão e audição apuradas, melhor até que a dos cães e, ao primeiro barulho dos inimigos se aproximando, um deles deu o sinal e os demais o seguiram.
Foi tanto barulho que todo o exército do rei que não estava de plantão e homens da população acordaram e foram ajudar os guardas na defesa. A noite foi longa e difícil, mas depois de muita luta, derrotaram os invasores que não haviam previsto aquele tipo de defesa, os poucos inimigos que sobraram fugiram apavorados porque os gansos, seguidos pelo olfato também os atacaram.
Foi uma festa no reino e o rei determinou que esses gansos fossem declarados nobres e herois para sempre, teriam o melhor tratamento dali em diante, seriam os primeiros animais a ser alimentados, teriam a melhor ração e não mais seriam mortos para servir de alimentação. A vida dos gansos passou a ser a melhor possível, todo o povo estava agradecido.
O tempo passou, passou e passou. O rei morreu, o filho o sucedeu e depois deste, o seu filho reinou. Assim seguiu a vida no lugar e, mesmo passando as várias gerações de reis, os gansos continuavam a ser bem tratados, muitos nem sabiam mais o porquê.
A única coisa que mudou foi o comportamento dos gansos, agora eram relaxados, soberbos, se diziam os melhores animais e exigiam que os outros bichos também lhes prestassem reverências, afinal seus antepassados salvaram o reino. Mas eles mesmos estavam tão acostumados à boa vida que não se importavam mais em guardar o castelo, mesmo que percebessem algo estranho voltavam a dormir e deixavam para os guardas humanos a tarefa de proteger o castelo.
E então aconteceu sobre o lugar uma seca terrível, não havia chuva para o cultivo de alimentos e a colheitas foram diminuindo. Foi quando um dos porcos perguntou:
– Por que só nós estamos sendo sacrificados pelo bem do reino? Por que os gansos não podem contribuir também?
Os gansos ficaram horrorizados com essa insinuação, afinal eles eram da nobreza e não tinha cabimento um pensamento desses. Que ultraje!
Mas um dos servos pareceu até ter ouvido a pergunta, ele teve o mesmo pensamento e foi falar com o rei:
– Majestade, a situação está muito complicada, não temos alimento para o povo e eles já estão revoltados. O senhor não acha poderia liberar o consumo da carne de ganso? Eles são muitos e só aumentam em quantidade, não fazem nada e ainda comem tanto…
O rei então mandou investigar por que os gansos tinham tantas regalias, depois de tanto tempo ninguém mais sabia, e descobriu o que aconteceu muitas gerações atrás. E deu a sua resposta:
– Esses gansos são descendentes de gansos valentes que defenderam nosso castelo há muito tempo. Mas não refletem mais nada da valentia e coragem de seus antepassados. São um fardo nesses tempos tão difíceis. E em tempos difíceis todos devem contribuir com sua quota de sacrifício. Que esses gansos possam amenizar a necessidade do nosso povo e matar a sua fome. A partir de hoje não terão melhor tratamento que os outros animais. Devem servir como todos os outros.
E a carne de ganso foi liberada, mesmo com os protestos deles de que seus antepassados eram nobres.
Conselho de vó: Assim como não somos culpados pelo mal de algum antepassado, não temos mérito pelo bem que algum deles realizou.
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