Conto de Figueiredo Pimentel

No tempo em que os animais falavam, nesse mesmo tempo chamado do Onça, em que se amarravam os cachorros com linguiça, achava-se uma onça dormindo a sesta, enganchada num galho de árvore, quando exclamou:

– Não acho jeito de dormir neste pau, não consigo dormir. Vou fazer uma casa para morar.

Quando chegou à noite, que é o horário em que está acordada, foi a um lugar da floresta, e depois de procurar bem, disse:

– É aqui mesmo, melhor lugar não poderia encontrar.

Roçou o mato que ali havia e capinou tudo muito bem.

De manhã, o Bode, que também andava com vontade de fazer uma casa para moradia, saiu em busca de um local apropriado e acabou encontrando o roçado que a Onça tinha feito horas antes, e disse:

– Este lugar é perfeito! Parece preparado para fazer uma casinha!

Dizendo isso, pôs-se logo a cortar grossos paus para servirem de esteios à casa, fincou no chão, e foi descansar.

À noite chegou a Onça e, vendo os esteios já fincados, exclamou:

– Com certeza é Deus quem me está ajudando. Ontem, apenas limpei o mato, e hoje já venho encontrar os esteios da casa!

Cortou mais paus, fez a cumeeira, pôs as travessas e retirou-se.

Quando o Bode chegou de manhã e viu aquele progresso na construção, exclamou:

– Decididamente Nosso Senhor Jesus Cristo está me ajudando! Estou encantado com essa graça. Não pode ser outra coisa!

Por isso, pôs as mãos à obra, quanto mais depressa melhor!

Então colocou os caibros na casa, e nesse dia deu por findo o serviço, achando que havia trabalhado muito.

Quando a Onça veio, ainda mais admirada ficou. Pregou as ripas e os enchimentos, e foi-se embora.

O Bode pôs as varas, os portais e as janelas e saiu.

A Onça cobriu a casa de telhas.

O Bode assoalhou, e fez o teto.

Durante o dia, um, à noite outro, trabalharam sucessivamente os dois animais, sem, no entanto, jamais se encontrarem, cada um pensando que era Deus que o protegia.

Ficando pronta a casa, dona Onça fez a cama e deitou-se.

Ainda não tinha ferrado no sono, quando chegou, mais cedo por causa do cansaço, também o Bode, que vendo a Onça, disse:

– Isto não está certo, esta casa é minha. Fui eu que finquei os esteios, pus os caibros, os portais e as janelas.

Depois de muita discussão, a Onça, que já estava com vontade de comer o Bode, mas reconhecendo a sua ajuda, falou:

– Bem, não é preciso fazer questão, vivamos juntos, como bons amigos, um dorme de dia o outro à noite.

O Bode, embora com muito medo, aceitou a proposta da Onça, mas, por precaução, armou a cama longe, perto da janela, para poder escapulir ao primeiro sinal de perigo.

Estavam ainda na casa, quando a onça se virou para ele, e lhe disse:

– Vou dizer-lhe uma coisa, Bode, quando estou zangada, começo a franzir o couro da testa. Tome cuidado!

– E eu, Onça, quando estou com raiva, começo a sacudir as minhas barbinhas, e se der algum espirro, então fuja, porque não estou para brincadeiras – falou o Bode.

O Bode estava com muito medo, mas não deixava transparecer, não seria justo abandonar a sua casa, onde tinha colocado tanto esforço. Decidiu ficar atento.

A Onça estranhou a coragem do Bode, os animais sempre fugiam dela, imaginou que ele estaria aprontando algo contra a sua vida e achou melhor ficar atenta.

O tempo passou e os dois mal se viam, somente ao amanhecer ou ao anoitecer, mas por dentro continuavam um com medo do outro.

Um dia, o Bode estava perto da janela tomando ar fresco, a onça estava cochilando e como estava tendo um mau sonho ficou com o couro da testa todo enrugado, o que nela era sinal raiva.

O Bode, vendo aquilo teve receio. Começou a sacudir as barbinhas e deu um grande espirro.

A onça ouvindo o espirro levou um grande susto, acordou e viu o Bode sacudindo as barbinhas, lembrando-se que era sinal da zanga do Bode, pulou de cima da cama e começou a correr como uma desesperada por este mundo afora.

O Bode, por seu lado, fugiu também, em direção oposta, com medo da Onça.

A casa foi abandonada e nunca mais se viram.

***

Ajude esse site a se manter no ar

Veja aqui a história Os gansos valentes

Maria Cecilia

View Comments

Share
Published by
Maria Cecilia

Recent Posts

As fadas

Segunda versão de história de Charles Perrault Era uma vez uma viúva que tinha duas…

3 dias ago

Kasa-obake

Folclore japonês Certa vez no Japão, há muito tempo, um homem jogou fora um guarda-chuva…

1 semana ago

O conhecimento

História Zen Budista Certa vez, um praticante do zen budismo teve a oportunidade de se…

2 semanas ago

A fada do rio

História de  Emilie Poulsson Há muito tempo, em uma grande floresta, vivia um lenhador e…

2 semanas ago

Os ratos, o gato e o queijo

Autor desconhecido Certa vez, dois ratinhos cinzentos encontraram um pedaço de queijo, logo os dois…

3 semanas ago

O relógio

Poema de Vinícius de Moraes Passa, tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora Chega logo, tic-tac Tic-tac,…

4 semanas ago