Autor desconhecido

Era uma vez uma cidade chamada Presépio, uma cidade pequena onde todos os moradores se conheciam. A padroeira do lugar era Nossa Senhora do Presépio e na igreja matriz havia um lindo presépio, em tamanho natural, que ficava montado o ano todo.

Havia a lenda de que se alguém oferecesse a Nossa Senhora do Presépio, na noite de Natal, um presente do qual ela realmente gostasse, a imagem se moveria e estenderia as mãos para recebê-lo. Diziam que este seria o Milagre de Natal.

Por causa dessa lenda, todos os anos, os moradores da cidade, na noite de Natal, ofereciam diversos presentes à santa, mas até então ela continuava com as mãos unidas ao peito, como em todas as imagens de Nossa Senhora.

Havia nessa cidade um relojoeiro chamado José, já idoso, viúvo e sem filhos. Ele era pobre, mas juntava todo o dinheirinho que sobrava para comprar peças, pedras preciosas e todo o material necessário para fazer o mais lindo relógio de todos os que ele já fizera para entregar a Nossa Senhora na noite de Natal.

Depois de 28 anos de muito trabalho e de muito sacrifício o relógio ficou pronto e ele não via a hora de chegar a noite de Natal para entregar o seu presente. Ele sentia que o milagre aconteceria assim que ele o oferecesse.

– Bom dia, Seu José, consertou o meu relógio? – perguntou Dona Dirce, a mulher do prefeito.

– Sim, Dona Dirce, aqui está, novinho em folha – falou Seu José.

– Marca fiado, Seu José, depois meu marido acerta. Gastamos tanto no presente pra Nossa Senhora! Vou dar uma coroa maravilhosa, meu marido mandou fazer na capital, ouro puro!

– Que bom, Dona Dirce, está marcado.

Pouco depois entrou na relojoaria o Sr. Artur, o avarento dono da mercearia da cidade.

– Bom dia Sr. Artur, seu relógio está pronto, já ia levar lá na sua mercearia – falou Seu José.

– Que bom que ficou pronto, vou usar na missa de Natal. Vou marcar o conserto para descontar na sua conta lá na mercearia – falou o Sr. Artur.

– Mas Sr. Artur, é que falta muito para o dia de eu acertar a conta com o senhor, eu estava precisando desse dinheirinho.

– Mas, se eu lhe faço fiado, por que o senhor não pode me fazer o mesmo?

– Está bem Sr. Artur, está bem!

– Mas olhe, que relógio é esse que o senhor tem aí? Que coisa mais linda!

– É o relógio que eu vou dar a Nossa Senhora na missa de amanhã à noite, trabalho nele há 28 anos, usei todas as minhas economias, mas até que enfim chegou o dia de entregar o presente à Mãezinha.

– O senhor não quer me vender, pago bem, gostei dele – falou Sr. Artur.

– Nem pensar, não vejo a hora de dar o presente, esse aqui já tem dona.

– Está bem, se mudar de ideia, me avise.

– Não vou mudar de ideia!

No dia seguinte Seu José acordou animado, era véspera de Natal, o grande dia havia chegado. Na missa do galo ele entregaria o seu presente.

Ele trabalhou o dia todo, tinha algumas entregas para fazer, mas como as outras de antes, todos penduraram a conta.

No final da tarde ele foi para a sua casa, tomou banho, se arrumou, comeu um pão com queijo, era tudo o que tinha, não havia sobrado dinheiro para uma ceia, mas não tinha importância, o presente estava pronto.

Sentou-se na sala, com o relógio na mão e ficou esperando dar o horário de ir para à igreja.

De repente, alguém bateu à sua porta. Seu José levantou-se e foi atender. Lá estava uma mulher com três crianças pequenas em volta dela e um bebê no braço.

– Boa noite, senhor, por favor me ajude, meus filhos estão com fome, estamos viajando a pé, estamos cansados, não tenho nada para dar a eles, nem dinheiro para comprar. Eu fiquei viúva e não pude mais pagar o aluguel, o senhorio nos expulsou da casa.

Seu José não sabia o que fazer, não tinha nada para oferecer, só um pouquinho de leite, mas não seria suficiente para aquela família. Falou para a mulher:

– Entre, senhora, tenho um pouco de leite para o bebê, espere que eu vou ver se compro algumas coisas para alimentar vocês.

A mulher entrou com as crianças, sentaram-se na sala e o Seu José foi à mercearia.

– Boa noite Sr. Artur, estou precisando de algumas coisas, vou pegar e depois eu pago.

– Não vou fazer fiado! – respondeu o Sr. Artur de forma ríspida.

– Mas, por quê? Sempre comprei fiado, por que hoje eu não posso?

– Porque o armazém é meu e eu digo o que pode e o que não pode. Agora, se quer tanto essas mercadorias, me venda o relógio. Vai ter dinheiro para a compra e para muito mais.

O Sr. José percebeu na hora a maldade o homem, ele queria o relógio e estava jogando sujo para conseguir.

Ele não sabia o que fazer, não podia deixar aquela família com fome, não tinha dinheiro para nada, nem alimentos para oferecer, se vendesse o relógio teria o dinheiro, mas não realizaria o seu sonho de dar o presente a Nossa Senhora. Ele já era idoso, não teria outros 28 anos para fazer outro relógio. Voltando para casa ele pensou, pensou, se lembrou das crianças e tomou uma decisão.

Pegou o relógio e o levou à mercearia para vender. Mas o sr. Artur mudou de ideia e pagou bem menos, na verdade, só trocou o relógio pelas mercadorias e pela dívida passada, o que equivalia a cerca de dez por cento do valor real da peça. Mas Seu José voltou para casa com muitas delícias e pode dar uma ceia àquela mulher e seus filhos.

Ao ver aquelas gostosuras os olhinhos das crianças brilharam, eles comeram juntos, riram juntos e estavam passando uma noite feliz.

Um pouco antes da missa, que seria à meia-noite, ele deixou a família em sua casa, e saiu dizendo:

– Fiquem à vontade. Espero que Nossa Senhora me entenda e não fique brava comigo.

A menina mais velha então lhe falou:

– Espere, este pão de mel está uma delícia, leve pra ela, tenho certeza que ela vai gostar!

Tocado pelas palavras da menina, mas encabulado por só ter aquele pão para oferecer a Nossa Senhora, Seu José o pegou, colocou num pratinho e saiu para a missa. Foi até à igreja rezando para que Nossa Senhora entendesse a sua atitude.

Chegando à igreja deu de cara com a Dona Dirce:

– Mas o que é isso? Não é o senhor que ia dar um relógio maravilhoso para a Nossa Senhora?

– Sim, Dona Dirce, mas tive um contratempo e precisei vender o relógio – falou Seu José.

– Nossa! 28 anos trabalhando no relógio para vender na véspera de Natal! O dinheiro falou mais alto, né? Saiba que eu vou dar a Nossa Senhora um presente valioso de verdade, olhe a coroa que meu marido mandou fazer na capital! – falou Dona Dirce lhe mostrando a linda joia.

Seu José teve que segurar as lágrimas, havia sonhado tanto com aquele dia e agora só poderia entregar um pão de mel. Entrou na fila para a entrega cabisbaixo segurando o pão junto ao peito.

Assim como os demais, dona Dirce ofereceu seu presente, mas a imagem continuou imóvel como sempre, ela deixou a coroa aos pés da santa e saiu desapontada, olhando torto para o seu José – “até parece que ela vai sequer olhar para o presente dele”.

Quando chegou a sua vez, o relojoeiro estendeu as mãos com o pratinho para a imagem de Nossa Senhora, sem nem olhar para a imagem, segurando as lágrimas. Então ele ouviu:

– OOOOOOOO!!!

Ele levantou a cabeça e viu que todos olhavam espantados para ele e para Nossa Senhora, todos de boca aberta. Ele virou-se para a imagem e ela estava de mãos estendidas para receber o seu presente. Ele colocou o pratinho em suas mãos e, ao olhar para o seu rosto sorridente, reconheceu na hora aquela mulher que estivera em sua casa com as crianças.

***

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Maria Cecilia

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