História de Hans Christian Andersen
A PRINCESA
Depois de muito correr, Gerda precisou parar para descansar novamente. Um grande corvo logo pousou à sua frente e ficou parado observando a menina.
– Kra! Kra! Kra! – falou o corvo.
Como a menina não entendeu nada, ele repetiu:
– Aonde está indo, garotinha?
Gerda levou um susto, nunca tinha ouvido um corvo falar, mas gostou de ter alguém com quem conversar e pedir conselhos.
Então lhe contou tudo o que tinha acontecido e perguntou se ele havia visto Kay.
O corvo balançou a cabeça seriamente e disse:
– Talvez eu tenha, talvez eu tenha.
– O quê? Você realmente acha que o viu? – gritou a garotinha, quase esmagando-o com seus beijos.
– Calma, calma! Se tiver sido o pequeno Kay que vi, talvez ele já tenha se esquecido de você por causa da Princesa.
– Ele está morando com uma Princesa? – perguntou Gerda.
– Sim, escute. É muito difícil falar a sua língua. Se você entender a língua dos corvos, posso falar muito melhor.
– Não, nunca aprendi – lamentou.
– Não importa. Vou contar o melhor que puder, embora talvez, eu me saia muito mal.
Então ele contou e ela ouviu:
– Neste reino onde estamos agora, vive uma Princesa que é muito inteligente. Ela leu todos os livros do mundo. Um dia, estava sentada no seu trono, o que não é tão divertido quanto dizem, e começou a pensar que deveria se casar. Então pediu a opinião de sua melhor amiga, que era também um corvo. Depois disso, ela publicou em todos os jornais que qualquer jovem que fosse inteligente o suficiente, poderia ir ao palácio conversar com ela. Se a conversa fosse agradável, se casaria com ele. Os jovens começaram a chegar em multidões, mas ninguém foi sortudo o suficiente para ser escolhido. Algo acontecia com esses jovens, porque eles até falavam muito bem quando estavam nas ruas, mas na frente da princesa, não sabiam o que dizer. Havia uma longa fila deles, desde os portões em baixo até o Palácio acima. Eu mesmo fui lá para ver.
– Mas, e o Kay, o pequeno Kay? – perguntou Gerda.
– Dê-me tempo, dê-me tempo! Estamos chegando nele. Foi só no terceiro dia que uma pequena personalidade veio marchando cheia de graça, sem carruagem e nem cavalo. Os olhos dele brilhavam como os seus, e ele tinha cabelos bonitos, mas suas roupas eram esfarrapadas.
– Ó, esse é o Kay! – exclamou Gerda.
– Ele tinha uma pequena mochila nas costas! – completou o corvo.
– Não, ele não tinha mochila, não poderia ser seu trenó? O trenó também sumiu com ele.
– Pode ser. Não olhei muito atentamente, mas minha companheira, amiga da princesa, disse que ele não ficou nem um pouco nervoso de entrar no castelo.
– Ó, tenho certeza de que era o Kay! – disse Gerda.
– Nada o fez vacilar, ele continuou direto até a Princesa que estava sentada em seu trono, e conversando com ela, a ganhou. Dizem que ele falou tão bem quanto eu poderia ter falado quando uso a língua dos corvos, pelo menos, é o que diz minha companheira. Ele era a imagem da boa aparência e da coragem, e não tinha vindo com nenhuma intenção de ganhar a Princesa, mas ele a conquistou.
– Então era o Kay mesmo, ele é tão inteligente que pode fazer mentalmente, contas até com frações. Você pode me levar ao Palácio?
– Não sei, vou falar com minha companheira domesticada a respeito, ela terá algum conselho para nos dar, mas acho que uma garotinha como você nunca será admitida.
– Ó, serei, sim. Quando Kay souber que estou aqui, ele virá logo me buscar.
– Espere por mim aqui, verei o que é possível fazer.
A noite havia caído antes que ele voltasse.
— Kra, kra! – disse. — Ela manda saudações. E aqui está um pãozinho para você que ela pegou da cozinha, lá há pão o bastante. Você deve estar com fome! Não é possível que você entre no Palácio, está descalça e os guardas de prata e os lacaios de ouro jamais a deixariam passar. Mas não chore, daremos um jeito. Minha companheira conhece uma escadinha nos fundos que leva até ao quarto e ela sabe onde guardam a chave.
Eles então entraram no jardim, numa grande avenida onde as folhas caíam gentilmente, uma a uma. Quando as luzes do Palácio se apagaram, o corvo guiou Gerda para a porta dos fundos, que estava entreaberta.
O coração de Gerda batia de medo e de saudade. Era como se ela estivesse prestes a fazer algo errado, mas só queria saber se era mesmo o pequeno Kay. Gerda se lembrou exatamente do sorriso que ele lhe dava quando costumavam sentar sob as roseiras em casa.
Achou que ele ficaria contente em vê-la, e ao ouvir sobre o longo caminho que ela havia percorrido para encontrá-lo, e como todos estavam tristes em casa por sua ausência. Ó, era alegria misturada com medo!
Eles haviam chegado às escadas, onde uma pequena lamparina queimava numa estante. Ali estava a ave domesticada. Gerda fez uma reverência para a corvo como a avó lhe havia ensinado.
– Meu amigo corvo me falou tão bem de você, pequena menina. Vou à frente. Não podemos encontrar ninguém.
Eles entraram no primeiro quarto, estava decorado com cetim róseo bordado de flores. Os salões eram um mais bonito do que o outro, suficientes para desorientar qualquer visitante.
Quando chegaram aos aposentos, havia duas camas, cada uma com um lírio pendurado de um caule de ouro. Uma era branca, onde estava a Princesa, a outra era vermelha, e nela deitava-se aquele que Gerda procurava – o pequeno Kay! Ela se curvou ao lado de uma das folhas carmim e viu que não era o pequeno Kay.
Eles acordaram e a princesa espiou de sua cama branco-lírio e perguntou o que estava acontecendo. A pequena Gerda lhes contou a sua história e o que os corvos haviam feito para ajudá-la.
Eles a levaram a um outro quarto para que pudesse dormir.
Então, ela fechou os olhos e adormeceu. Chegou a sonhar com anjos que puxavam um pequeno trenó com Kay sentado em cima e acenando. Porém, era só um sonho, então tudo desapareceu e Gerda acordou.
No dia seguinte, ela estava vestida em seda e veludo da cabeça aos pés. O Príncipe e a Princesa perguntaram se a menina não gostaria de ficar no Palácio e se divertir ali, mas tudo o que Gerda pediu foi uma carruagem pequena, um cavalo, e um par de botas para percorrer a imensidão do mundo procurando Kay.
Eles lhe deram o par de botas e um agasalho para as mãos.
Gerda estava belamente vestida e, quando estava pronta para partir, surgiu uma carruagem de ouro puro em frente à porta, puxada por um lindo cavalo branco. O brasão de armas do Príncipe e da Princesa estava gravado nela e brilhava como uma estrela.
A menina subiu na carruagem e o príncipe e a princesa lhe desejaram sorte. O corvo a acompanhou pelos primeiros quilômetros de sua viagem.
A carruagem estava carregada com biscoitos de açúcar, e ainda havia frutas e biscoitos de gengibre debaixo do assento.
– Tchau, tchau – gritaram o Príncipe e a Princesa.
A pequena Gerda chorava e o corvo também. Ao fim dos primeiros quilômetros, o corvo se despediu. Ele voou para uma árvore e bateu suas grandes e pretas asas até onde pôde ver a carruagem ir, brilhante como o sol mais forte.
(esta história tem sete capítulos, os demais serão publicados nos próximos dias)
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