História de Hans Christian Andersen
UM GAROTINHO E UMA GAROTINHA
Numa grande cidade lotada de casas e pessoas, quase ninguém podia ostentar um belo jardim, então se contentavam com floreiras em suas pequenas varandas.
Era assim nas casas do garoto e da garota. Eles não eram irmãos, mas era como se fossem, eram vizinhos e o telhado da casa de um tocava no telhado da casa do outro, por isso eles conseguiam passar para a casa um do outro, saindo pelas janelas de seus quartos e passando pela calha de chuva, sem precisar descer as escadas.
Nessas janelas, os pais das crianças deixavam vasos, onde cresciam lindas roseiras.
No inverno, não conseguiam sequer abrir as janelas e por isso, para poderem brincar, eles tinham que descer as escadas para chegar na casa do outro.
Muitas vezes as janelas ficavam cobertas de neve, então eles aqueciam moedas na chapa do fogão e as pressionavam nas janelas, fazendo com que o gelo de fora derretesse, formando pequenos buracos nos quais podiam ver a rua.
O nome do menino era Kay e da menina, Gerda.
Um dia, a avó de Gerdra contou para eles sobre a Rainha Branca que vinha do Polo Norte todo inverno para fazer cair a neve. A velha senhora contou que a rainha podia ter a forma humana, assim como podia se transformar em neve, e que as vezes, de madrugada, caminhava pelas ruas das cidades.
– A Rainha da Neve pode aparecer na nossa rua? – perguntou a menina.
– Deixa ela vir e vou colocá-la no fogão, onde vai derreter – falou o menino.
A avó alisou o cabelo do garoto e lhes contou outras histórias.
À noite, quando o pequeno Kay estava em seu quarto, se arrumando para dormir, resolveu olhar pela janela, pelo buraco da moeda, quando observou flocos de neve caindo na rua, mas havia um floco de neve que era diferente, era grande e caía devagar. De repente o floco cresceu até se tornar uma mulher vestida com a mais fina névoa branca, parecia ser feita de milhões de flocos estrelados. Ela era delicadamente adorável, mas toda de gelo brilhante e deslumbrante. Ela olhou para o menino e acenou para ele.
O menino ficou assustado, deu um pulo para trás e correu se esconder debaixo das cobertas.
Dias depois veio o degelo, o tempo passou, chegou a primavera, o vaso de rosas ficou lindo e depois, com o verão, as crianças voltaram a brincar nas ruas e a passar pelo telhado de uma casa para a outra.
Um dia, Kay e Gerda estavam olhando para um livro de imagens de pássaros e animais. Era por volta de cinco horas da tarde no relógio da igreja quando Kay disse:
– Alguma coisa entrou no meu olho!
– Me deixe ver – falou a menina.
Ela olhou e não viu nada de diferente.
– Já deve ter saído.
– Não sei, estou estranho, algo atingiu meu coração.
– Como assim?
– Não sei explicar.
Pobre Kay. Um pequeno grão do espelho de Hobgoblin o tinha atingido no olho e foi parar em seu coração que logo seria transformado pela magia do espelho.
No dia seguinte, o menino encontrou Gerda que estrava chorando por alguma coisa e ele falou:
– Por que você está chorando? Chorar te faz parecer feia, horrível!
Gerda achou aquilo muito estranho. Logo depois ele disse:
– Olhe, tem uma larva enorme nessa rosa, as rosas são nojentas!
Ele chutou o vaso e arrancou duas rosas.
– O que você está fazendo, Kay!? – exclamou a menininha.
Quando ele viu a surpresa de Gerda pela sua atitude, arrancou outra rosa e então correu para dentro de seu quarto, deixando a menina sozinha.
No outro dia, quando Gerda via um livro de imagens de animais, Kay falou:
– Esse livro é para criançonas sem graça!
Gerda não estava entendendo nada, aquele não era o Kay que ela conhecia.
No mesmo dia, quando a avó começou a lhes contar histórias, Kay foi atrás de sua cadeira e ficou imitando a avó, fazendo graça do jeito que ela falava.
Logo, ele começou a imitar todos que passavam pela rua, zombando das pessoas e suas peculiaridades.
O inverno chegou novamente e um dia, quando a neve caía, o garoto falou para Gerda:
– Agora eu tenho permissão para dirigir meu trenó na grande praça onde os outros meninos brincam!
Kay teve a ideia de prender seu trenó com uma corda em um carro que estava passando e havia parado por um minuto, ele achou que seria uma brincadeira divertida.
O veículo saiu e andava cada vez mais rápido, o motorista não viu o que o menino havia feito, eles estavam saindo dos limites da cidade e Kay tentou se soltar do carro, mas não conseguia.
Então, a neve começou a cair tão pesadamente que, à medida que os dois veículos avançavam, o garotinho não conseguia mais ver um palmo à sua frente.
Com muito custo ele desfez o nó das cordas e tentou escapar do trenó, mas não conseguiu porque o trenó ainda seguia em grande velocidade.
O menino estava muito assustado, queria rezar, mas só conseguia se lembrar das regras de multiplicação.
De repente os flocos de neve cresceram mais e mais, até ficarem enormes. Do nada, de uma cortina de neve apareceu uma moça alta, vestida toda de branco, era a Rainha da Neve em pessoa.
Logo ele viu um grande trenó parado perto deles e ela o convidou para segui-la.
Eles entraram naquele trenó enorme e ela o cobriu com um grande casaco de peles, depois o beijou na testa.
O beijo fez o menino quase congelar, ele sentiu que estava morrendo. O trenó começou a se mover e a Rainha o beijou novamente. Ele se esqueceu de tudo, de sua casa, de Gerda, da avó.
– Agora eu não posso mais te beijar, se te der mais um beijo, vou matá-lo – falou a Rainha.
Kay olhou para ela e a achou muito linda. Ele nunca tinha visto um rosto mais inteligente ou mais belo. Agora, ela não parecia ser feita de gelo como quando a viu do lado de fora da janela e acenou sua mão para ele.
Aos seus olhos, a Rainha era perfeita e o menino não se sentia mais nem um pouco amedrontado.
O trenó começou a se erguer e eles voaram sobre florestas e lagos, oceanos e ilhas. O vento gélido soprava abaixo deles, os lobos uivavam, os corvos grasnavam sobre a neve brilhante, mas lá em cima, a lua brilhava clara e fortemente. Naquele dia, ele dormiu aos pés da Rainha da Neve.
(esta história tem sete capítulos, os demais serão publicados nos próximos dias)
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